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Divulgação - Foto: Javalim Blues |
Por Cesar Gavin
"Senti a necessidade de mostrar o lado solar do Blues, suas variações e a herança ancestral da África"... (Adriano Grineberg)
Eu costumo dizer que Adriano Grineberg está sempre um passo à frente da realidade atual da música brasileira. Ele é um artista completo! Pianista, cantor e compositor. Um showman. Já tocou com nomes consagrados do Blues como Magic Slim, André Christhovam, Irmandade do Blues, Blue Jeans, JJ Jackson, Nasi, além de apresentações ao lado de Corey Harris, Big Time Sarah , Shirley King (filha de BB King), Deitra Farr, John Pizzarelli, entre outros.
Nos últimos vinte anos ele tem feito viagens e pesquisas pela África e Índia, e foi se aprimorando em misturar ou testar o Blues com as vertentes da World Music, pois é autor de nove CDs do gênero em parceria com o guitarrista Edu Gomes (veja entrevista no Vitrola Verde logo abaixo em links relacionados).
Em "Blues For Africa", Grineberg apresenta um disco emblemático com contexto cultural, histórico artístico e social, reunindo tradição, renovação e releituras de composições que combinam elementos modernos às batidas tribais no Blues, Gospel de New Orleans (Estados Unidos), Mambo e Reggae, combinados à pluralidade de expressões da África. Estas descobertas vem com Blues cantado em seis línguas de oito países (África do Sul, Mali, Zâmbia, Quênia, Nigéria, Brasil, Jamaica e Estados Unidos). O repertório foi baseado em letras que falam em mensagens de paz, acolhimento e gratidão, escolhas que o possibilitou incluir clássicos de Ray Charles, BB King, Jerry Lee Lewis, Bob Marley e citações de mestres da música brasileira como Pixinguinha e Luis Gonzaga.
Confira a entrevista que fiz com ele.
Cesar Gavin: Como surgiu a ideia de buscar as raízes africanas do Blues?
Adriano Grineberg: Há bastante tempo tenho pesquisado a música étnica e folclórica de muitas partes do mundo, em especial da África e da Índia, locais onde já estive em três oportunidades, tendo contato com a música e cultura (gravei um CD de mantras que faz uma fusão com a música brasileira em parceria com o Edu Gomes e o Edson Aquino chamado "Vera Mantra" lançado em 2004 na Índia). Como as pessoas sabem, tenho uma relação com o blues de mais de vinte anos, mas ela jamais foi purista porque sempre o vi como uma "expressão", algo que transcende um gênero, época ou localidade. Tanto nos CDs de World Music que tenho em parceria com o Edu Gomes (são nove ao todo), como dentro do Blues, sempre senti a necessidade de ter uma expressão homogênea como artista e vim percebendo ao longo do tempo, que o Blues tradicional, o Soul, o Funk e o R'nB são linguagens que necessitam de um novo oxigênio, uma válvula de escape, porque são muito fortes e sempre estiveram no DNA de quase toda a música contemporânea. Percebo que principalmente nas últimas décadas esses gêneros foram esgotando as suas possibilidades de inovação, foram se tornando cada vez mais presas dentro de um estereótipo. Senti a necessidade de mostrar o lado solar do Blues e suas variações, e a herança ancestral da África. Foi a força motriz que impulsionou esse anseio de mergulhar em algo ainda mais profundo do que as plantações de algodão, trazendo algo que vai além da música. Tenho visto esse projeto como uma conclusão e um novo ponto de partida na minha carreira e na minha expressão como pessoa e artista. Após concluído, sinto que a fonte de pesquisas e formas de traduzir isso é inesgotável e o "Blues for Africa" é apenas o começo de outros projetos que virão futuramente.
Cesar Gavin: Teve algo que te surpreendeu em sua pesquisa?
Adriano Grineberg: Acho que o que mais me impressionou foi ver a relação das modulações do Blues (bends) com os cantos da tradição islâmica, cada um à sua maneira específica, mas muito próximas. Isso se explica devido ao fato de o povo malê (do Mali) que abrange grande parte dos escravos que foram para a América do Norte terem recebido fortíssima influência da cultura islâmica, que dominou todo o norte da África nos séculos anteriores. Esse ponto de contato é facilmente observado quando ouvimos na atualidade os artistas de Mali e proximidades cantando e tocando o que hoje é chamado de "Desret Blues", uma das formas mais interessantes de expressões do Blues contemporâneo. Essas pesquisas que foram feitas, acabaram se expandindo e incluindo nesse reencontro a música de outros povos da África como zulu e iorubá, igbo, ketu e cantado em 6 idiomas de 8 países diferentes (Africa do Sul, Mali, Nigéria, Quênia, Zâmbia, Brasil, EUA e Jamaica), abraçando a pluralidade desse continente.
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Divulgação - Foto: Rei Santos |
"O Brasil, a África e as Américas Central e do Norte formam um triângulo que abrange todas as expressões da África e suas extensões"
Cesar Gavin: Nestas suas descobertas, você conseguiu ver uma ligação da música brasileira com estas canções?
Adriano Grineberg: Certamente, O Brasil, a África e as Américas Central e do Norte formam um triângulo que abrange todas as expressões da África e suas extensões, eu diria que estando aqui no Brasil temos ainda uma maior conexão com essas culturas porque a África é muito presente no nosso estilo de vida, até para nós descendentes de europeus como também a cultura norte americana, talvez sejamos o ponto de encontro e fusão desses encontros. A tradição iorubá, muito difundida no Brasil é citada em duas faixas do CD (Olodumare e Jingoloba).
Cesar Gavin: Você teve algum feedback dos mestres do Blues sobre este projeto?
Adriano Grineberg: Tive referências de alguns artistas que já toquei que foram me ensinado e me mostrando essas possibilidades, principalmente do Corey Harris com quem toquei e tive uma intensa, mas breve convivência em 2003, hoje para mim é a uma das minhas principais referências de como realizar essas "fusões" e reencontros de forma harmônica e verdadeira. Outro artista que me inspirou e me trouxe ensinamento na elaboração desse projeto foi o mineiro Marku Ribas (que faleceu no inicio desse ano), sem dúvidas o músico e cantor mais talentoso com quem já toquei, tinha um conceito de divisão rítmica e uma forma de expressar isso muito singular, além de ter vivido intensamente a África e suas expressões no período em que esteve exilado nos anos 70 e 80. Acho importante também citar o Ali Farka Toure (Mali) que não tive a felicidade de o conhecer, mas que também me inspirou muito.
Cesar Gavin: Qual a experiência que você colheu deste trabalho?
Adriano Grineberg: Foi um trabalho que me aproximou de algumas impressões que com o tempo acabaram se tornando mais concretas no meu conceito. Foi algo que fiz com muito prazer, muita alma e coração num ambiente privilegiado ao lado da minha banda, dos convidados, produtores e engenheiros de som que sentiram e somaram na essência e mensagem do trabalho. As letras das músicas falam em geral em mensagens de paz, acolhimento, gratidão e isso de forma inevitável envolveu toda a energia do projeto. O trabalho é muito recente mas tem nos surpreendido com relação à receptividade do público que geralmente se levanta para dançar as músicas e se envolve de forma surpreendente. Hoje nosso show é uma mescla de todos os momentos de minha carreira e o que nos deixa felizes é fazer o Blues de uma forma universal onde as musicas africanas convivem com clássicos de Ray Charles, B.B. King e até Pixinguinha em citações de forma harmônica.
Informações do disco:
Artista: Adriano Grineberg
Álbum: Blues For Africa
Lançamento: 2013
Gravadora: Independente
Produzido e arranjado por Adriano Grineberg
Co-produzido por Pedro Marin, Daniel Lanchinho e Edu Gomes
Gravado no Cakewalking Studios
AG Quarteto
Adriano Grineberg - voz, piano, orgão, teclado, kalimba, escaleta e harmonium
Sandro Grineberg - bateria
Edu Gomes - guitarra, violão e efeitos
Rodrigo Jofré - baixo elétrico
Participações especiais:
Graça Cunha - voz
Fábio Sá - Baixo acústico
Vasco Faé - voz e gaita
Daniel Lanchinho - bateria
Rex Thomas - voz
Michelle Abu - percussão